FOGO ( Fear of Going Out) – Medo de sair de casa
Após quase seis meses dentro de casa, a ideia de ter que sair depois de tanto tempo em isolamento causa arrepios em uma mulher que estava em quarentena desde março, ela não consegue sair nem para colocar o lixo pra fora. Além da angústia, do medo e de outros tantos sentimentos do chamado “coronaemotivo”, agora, com o afrouxamento das regras de distanciamento social, o novo “normal” virou pânico para a corretora, que decidiu até mudar de profissão para não precisar sair de casa.
“Eu nunca tive medo, pelo contrário, sempre vivi na rua. Mas, depois desse cenário que estamos vivendo, eu tenho pavor de sair e ter contato com as pessoas. Tenho vários amigos que querem me ver nem que seja de longe, na rua, mas nem dentro do carro eu consigo. Não consegui voltar ao trabalho por não me sentir segura, vou ter que mudar toda a minha vida a partir de agora”, conta a profissional de seguros, que está de volta aos estudos para atuar no mercado de marketing digital.
“Busquei uma terapia para ajudar a ir voltando e dando sequência à minha vida, porque eu não consigo sequer ir a médicos a que preciso ir com urgência. Até ajuda para levar meu lixo eu preciso, porque não saio na porta, eu fico paralisada. Acho que como eu era antes não vou conseguir ser nunca mais”, lamenta.
Os espanhóis chamam isso de “SÍNDROME DA CABANA”. Já os franceses a nomearam como “síndrome do caracol”. Independentemente do nome, se você faz parte desse grupo de pessoas que sentem calafrios só de imaginar o retorno das atividades no pós pandemia, talvez, você seja mais uma das vítimas da SÍNDROME DE REENTRADA, como os especialistas brasileiros preferem nomear.
O fenômeno, segundo os profissionais de saúde, é uma realidade mundial, principalmente agora, na era do coronavírus. Apesar de o isolamento ainda ser a forma mais indicada de se proteger contra o vírus, mesmo com a diminuição das restrições por causa da pandemia, nem todo mundo consegue se sentir confortável em voltar às atividades. O problema é que o medo de sair de casa depois de longos períodos de confinamento pode virar transtorno psicológico, fazendo com que a pessoa se isole ainda mais.
O QUE A CIÊNCIA DIZ:
De acordo com um estudo realizado no Reino Unido, pessoas que apresentam níveis de depressão e ansiedade mais elevados têm mais chances de não conseguir mais sair de casa ou sentir mais dificuldade em voltar à vida normal na medida em que as regras de isolamento forem sendo flexibilizadas. Segundo a pesquisa, esse comportamento tem sido mais frequente entre jovens adultos que vivem em áreas urbanas, pessoas que vivem sozinhas ou que convivem com crianças, além de pessoas que já conviviam com algum problema de saúde mental anteriormente.
De acordo com o psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (ABMP), Wimer Bottura, o distúrbio não é novo. Desde 1960, estudiosos americanos já tinham observado que longos períodos de isolamento poderiam ser gatilho para instabilidade emocional, podendo até dificultar a reinserção na sociedade. Segundo Bottura, o quadro já acontecia com caçadores que ficavam por muito tempo isolados durante invernos rigorosos.
Para o especialista, a dificuldade para a reinserção vem, principalmente, pelo sentimento do desconhecido ao lidar com “novo mundo”. Apesar de a síndrome não ser considerada um distúrbio clínico, a ansiedade excessiva nesses casos se torna impedimento para realizar tarefas mínimas fora de casa, e, em alguns casos, o medo gera bloqueio até no relacionamento com outras pessoas.
“O isolamento de uma forma geral causar alterações psicológicas nas pessoas, não só a quarentena por causa do coronavírus. Isso é muito comum de acontecer com pessoas aposentadas e idosas, que passam a ficar mais tempo em casa e ficam assistindo a programas repetitivos na TV que só falam de violência, assalto e roubo. Essas pessoas ficam com um medo enorme de sair pela realidade que é mostrada. É algo que acontece também desde 1900 com os caçadores que iam caçar, os eremitas que ficavam meses isolados”, explica.
Pessoas com TOC sofrem mais efeitos
O psicólogo, mestre e doutor em neurociência cognitiva Yuri Bussin alerta ainda que pessoas com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) podem sentir mais dificuldade ao se reconectar, transformando o distúrbio também em fobia social. Os sintomas aos quais se deve ficar atento são alteração de humor, perda de memória e concentração, alteração no sono e sensação de frustração e impotência.
“Estamos vivendo mais tempo em casa, então é normal que se comece a ter medo, receio ou até angústia de sair dessa zona em que você se sente confortável, porque o mundo lá fora mudou. Estamos lidando com o constante medo da morte, as pessoas nem pensavam nisso e agora precisam lembrar que pode acontecer a todo instante. Mas existe uma grande diferença entre respeitar as medidas sanitárias e sair quando necessário e nunca conseguir sair nem para o essencial. Isso é grave e pode gerar problemas mais sérios, como síndrome do pânico”, pontua.
Pode parecer difícil, mas o melhor tratamento para esses casos, segundo os especialistas, é enfrentar o medo aos poucos. Para Boturra, a melhor forma de lidar com o problema é prevenindo. Mas, para aqueles que já estão sofrendo, é preciso procurar logo a ajuda de um profissional. A síndrome da reentrada, quando longa e não monitorada, pode desencadear um quadro depressivo grave.
"Se a pessoa sente que tem ansiedade algo já está errado. Procure um profissional, a solidão é uma péssima conselheira. O ser humano necessita do outro, precisa de contato, um animal nesse sentido é uma ótima companhia, até porque eles não te julgam, mas é preciso da conversa com alguém habilidoso. As pessoas ficam procurando diagnósticos pela internet e não entendem o sentimento verdadeiro que está ali, quem tem tudo pelo google, na verdade, pode ter é nada", ressalta o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Como lidar com o medo
Respeite o seu tempo. A dica dos especialistas é não se culpar ou se comparar com os outros. O autojulgamento pode dificultar ou até mesmo agravar os sintomas da doença
Estabeleça uma rotina. Você poderá ter o controle dos seus pensamentos e medos. Inclua exercícios e uma dieta saudável na programação para manter a energia e a motivação em alta
Não desista. Comece aos poucos, devagar. O primeiro passo pode ser dar uma volta rápida no quarteirão de carro ou colocar o lixo para fora. Se recompense também se conseguir dar pequenos progressos diários
Lembranças. Recorde a sua rotina antes do isolamento e lembre-se de todas as coisas boas que você fazia ao sair de casa, dos seus familiares e dos amigos. Vale lembrar até da sensação gostosa do vento no rosto. Os especialistas garantem que essas lembranças podem ajudar o cérebro a desbloquear o medo. Você mora em cidade litorânea, ou mesmo no interior busque locais arejados como praias, lagos, rios, florestas, parques e jardins.
Auxílio profissional. Por último, mas não menos importante: PROCURE AJUDA DE UM PROFISSIONAL PARA TE AUXILIAR. VOCÊ NÃO PRECISA E NÃO DEVE PASSAR POR ISSO SOZINHO
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